Há dias passados estava à espera de um telefonema teu, era
madrugada, três da manhã. Os grilos cantavam nas ruas, e mais nada se ouvia, a
não ser o meu suspiro com tua ausência. Eu ficara a esperar o inesperado, um
toque, um sinal, algum barulho que anunciasse a sua voz. De repente, a campainha
tocou, e ao abrir a porta me deparo com um velho diário que alguém
misteriosamente o tinha deixado para mim. Ele se encontrara vazio, mas na
verdade, o vi como uma oportunidade de preenchê-lo com a minha solidão. O dia
acabou amanhecendo antes da hora, esperei que a aurora anunciasse a tua
chegada, mas nem tua sombra se via. Enquanto não chegavas, abraçava meu velho e
bom amigo diário, e invadia seu mundo com o meu. Era uma invasão de privacidade
emocional. Durante dias, enquanto não se ouvia a tua voz, ele deu-me a honra de
ser um ouvido. Ontem choveu muito, e por um descuido, meu diário acabou
molhando. Até o dia estava mal-humorado com minha tristeza. As lágrimas da
tarde inundaram as vozes do meu coração, traduzido em letras. Era meu amigo das
horas amargas, e as deixava doces. Agora estava estragado e não tinha mais
utilidade, pois nem o sol preferiu aparecer pra revigora-lo. Tudo ao redor
maquinava contra mim, e sua distância me fazia perceber que vivera um pesadelo
surreal. De repente, via rosas desabrocharem num jardim ao lado, e numa
percepção de maestria, teu soluçar chegara aos meus ouvidos. Avistei-te da
varanda, e vi tua face marcada pela melancolia. Também estavas morrendo por
dentro, por desprezar a vida que enchia a tua vida de vida. Esse alguém era eu,
um alguém sem brilho, sem identidade, sem esperança, sem segurança, sem
companhia, sem destino, sem ponto de partida e de chegada, sem rumo e sem
diário. Ah, o diário... Quem sabe fora você que o tivesse deixado pra mim
naquela madrugada pra evitar um sofrimento maior se nada eu tivesse. Quero
dizer-te que não o possuo mais, agora outro diário está diante de mim, e não
perderei a chance de torna-lo especial e inesquecível. Deixarei minha vida
registrada no mais belo diário: o teu coração.
Nenhum comentário:
Postar um comentário